Após ler pela primeira vez uma entrevista dada pela professora Amanda Gurgel, a professora que virou hit no Youtube e na internet, para o jornal O Globo (clique aqui para ler), pensei seriamente em escrever um post sobre. Sem saber a melhor forma de abordar o assunto acabei deixando essa postagem de lado. Hoje, após ler o texto de Paulo Ferraz, resolvi escrever sobre as declarações da professora.
Paulo é bem crítico em relação às palavras de Amanda Gurgel (clique aqui para ler o texto dele). Também sou crítico em relação a elas, mas antes de abordar as declarações de Gurgel quero escrever sobre alguns pontos que discordo do texto de Paulo (antes de continuar a leitura recomendo que já tenha lido os dois textos aqui mencionados).
Paulo começa o texto com as seguintes palavras:
Quase todos sabem que temos problemas sérios na área de Educação. No ensino fundamental conseguiu-se ao longo do tempo vagas para praticamente todas as crianças e jovens, MAS ainda sofremos com a qualidade média do ensino. Quase todos sabem que os fatores que mais influenciam são o histórico das condições sócio-econômicas dos pais (sendo história, nada pode ser feito) e a qualidade dos professores e diretores.
Discordo sobre as condições socioeconômicas serem um grande empecilho para a qualidade da Educação.
Primeiro, acho que há uma grande confusão no Brasil sobre o que é background familiar ou background socioeconômico EM EDUCAÇÃO. Background familiar ou socioeconômico não é a escolaridade dos pais, o nível socioeconômico da família ou número de livros em casa. Essas variáveis são apenas algumas que estão correlacionadas com o background. Background socioeconômico ou familiar em Educação é, para mim, uma variável que me diz o quanto de instrução e de oportunidades de desenvolver suas habilidades cognitivas uma pessoa possuí em casa e nos ambientes não escolares em que vive. Sendo assim, é provável que uma pessoa de classe socioeconômica alta e com pais com alta escolaridade tenha um nível de background familiar alto. Mas isso nem sempre acontece!
Lembro de um estudo que estava fazendo com outro especialista em Educação. Esse especialista estava querendo fazer um ranking de escolas controlando pelo background socioeconômico de seus alunos, podendo chegar assim, em sua opinião, a um ranking que mostrasse efetivamente quais eram as melhores escolas.
Antes de fazermos algumas estimativas ele comentou comigo que achava que uma escola de alto desempenho que seleciona alunos de escolas públicas iria para o topo do ranking, já que seus alunos por terem estudado em escolas públicas deveriam ser de uma classe socioeconômica mais baixa do que os alunos de outras escolas que estão entre as consideradas melhores do país. Se usássemos escolaridade dos pais, número de livros em casa e/ou variáveis socioeconômicas como background chegaríamos a um resultado que confirmaria a tese do especialista. Mas será que poderíamos dizer que essa era a melhor escola ou ao menos que esses alunos foram o que mais obtiveram aprendizado nas escolas em que estudaram (que o efeito-escola foi maior para esses alunos)?
A meu ver, os melhores alunos das escolas públicas são exceções. O nível de renda de suas famílias, a escolaridade de seus pais e a presença em quantidade de insumos educacionais em suas casas não ilustram fielmente o background familiar que possuem. O background familiar desses alunos talvez seja até muito mais alto do que os de alunos de algumas escolas particulares. Os pais desses alunos provavelmente incentivaram aos estudos, acompanharam atentamente o desenvolvimento cognitivo de seus filhos, além de haverem tido diversas atitudes difíceis de mensurar.
O ponto que quero chegar é: se para alguns alunos o nível socioeconômico ou de escolaridade de sua família não foi um limitador por que temos que tomá-la como limitadora em Educação? Pais com baixa escolaridade e com poucos recursos financeiros que dêem valor a Educação podem sim mudar a Educação no Brasil, pois o background familiar ou socioeconômico não é algo fixo determinado quando uma criança nasce.
Ainda no início do texto Paulo Ferraz diz:
Por mais que alguns gostem de alardear, não existe correlação entre remuneração do professor ou infraestutura da escola e desempenho dos alunos. Ou seja, existem escolas sem condições e com professores ganhando mal com excelentes resultados e escolas com tudo, inclusive professores bem remunerados, com resultados ruins.
Não quero me ater ao fato de discutir as limitações estatísticas em trabalhar com variáveis muito correlacionadas e em analisar efeitos de curto, médio e longo prazo. Chama-me atenção a segunda frase, pois não sei o que ele chama de sem condições e de excelentes resultados, mas pela minha interpretação se existirem o número de escolas com essas características é ínfimo. Se ele me apresentar quais são essas escolas ficarei feliz de citá-las e aplaudir as suas equipes escolares.
Por fim, a conversão da remuneração da professora se ela tivesse uma carga horária de 44 horas e não 32 horas é tão infeliz que não quero comentar sobre.
Agora vou comentar sobre a entrevista da professora, que para mim foi bem decepcionante e que me faz ser obrigado a concordar com alguns pontos apontados por Paulo Ferraz. Ela diz:
A nossa atividade é principalmente manter o aluno em sala de aula, independentemente de qualquer coisa. Por isso que muitas vezes as pessoas confundem os responsáveis pelo caos e acham que a greve atrapalha os alunos.
Na verdade, a greve não atrapalha, justamente por isso, se nós não estivéssemos em greve não teríamos a oportunidade de falar sobre a educação nesse momento, porque estariam todos os alunos dentro da sala de aula controlados pelos professores, que não estariam em condições de ter uma atividade digna, de exercer a atividade docente decentemente, porque as salas são superlotadas, porque as salas são quentes aqui na nossa cidade, porque os professores não têm condições de se atualizarem. Infelizmente, não é dada essa oportunidade para os professores.
Além de a resposta ser incoerente percebo pouco foco no aprendizado dos alunos em suas palavras. Essa é apenas uma das declarações que não gostei nas entrevistas que deu, mas acho que uma declaração suficiente para causar desapontamento. Não quero me prolongar muito sobre, mas considero que o professor que deixa o aluno sem aula perde a razão. E nesse caso, o pior não é a greve em si, mas a professora não considerar que a greve deveria ser algo evitado ao máximo.
Tenho de admitir também que não gosto de declarações como o que “falta é vergonha” ou de pessoas que cobram que o investimento em Educação dobre ou triplique sem nem ao menos fazer um exercício de raciocínio para ver se isso é possível. Embora tenhamos muitos problemas na gestão em Educação e até mesmo talvez alguns gestores mal intencionados, acho necessário o respeito com profissionais que estão dignamente procurando fazer seu trabalho e que fazem parte das decisões tomadas na gestão em Educação.
Decepcionei-me principalmente com o fato de mesmo tendo tanto acesso na mídia a professora não ter apresentado muitas ideias para a melhora do sistema educacional, pois acredito que uma premissa para criticar é ter um razoável conhecimento de caminhos alternativos que poderiam ser seguidos.
Com todo respeito, de uma pessoa que ao ver o vídeo pela primeira vez gostou da iniciativa como forma de mostrar o problema da carreira docente e da Educação no Brasil, gostaria de ver um discurso como esse sendo feito por uma professora que leciona de fato e que apresentasse além do contracheque números que mostrassem um considerável crescimento no nível de aprendizado dos alunos devido às suas aulas. De qualquer forma, há de se reconhecer a importância do discurso de Amanda Gurgel para que os problemas em Educação ficassem mais expostos a população e para que esse tema, esperamos, seja visto com mais atenção no Brasil.