Em coluna da Revista Veja o economista Gustavo Ioschpe escreveu o seguinte:
As escolas públicas do país deveriam ser obrigadas por lei a pôr seu Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em placa de 1 metro quadrado ao lado da porta principal, em uma escala gráfica mostrando sua nota de zero a 10. Na placa deveria aparecer também o Ideb médio do município e do estado. A maioria dos pais e professores hoje não sabe se a escola do filho é boa ou ruim, e, se esperarmos que consultem o site do MEC, seremos o país do futuro por mais muitas gerações. Mande um e-mail para seu deputado e exija essa lei.
Suas palavras receberam apoio de algumas pessoas e alguns deputados fizeram projetos de lei baseados nelas. Vou discutir a seguir essa ideia.
Gustavo diz que a maioria dos pais e professores hoje não sabe se a escola do filho é boa ou ruim e deixa implícito na sua fala que o Ideb da escola passa uma boa noção da qualidade dos estabelecimentos de ensino. Então, acho que a maneira mais adequada para começar a análise de sua ideia é avaliar o que o Ideb traz de informação.
O Ideb é uma medida que combina informações sobre o fluxo escolar e sobre o aprendizado escolar (por meio da avaliação Prova Brasil / Saeb). De forma bem resumida podemos dizer, por exemplo, que uma escola no qual 90% (0,9) dos alunos são aprovados e que fornece um nível de aprendizado 5,0 em uma escala de 0 a 10 obtém um Ideb de 4,5 (0,9 x 5,0). Tanto um fluxo escolar adequado quanto o fornecimento de um bom nível de aprendizado aos alunos são necessários para que a escola obtenha um bom índice.
O fato de o Ideb considerar esses dois componentes é muito importante, pois incentiva as escolas a tentarem fornecer aprendizado aos alunos buscando também um fluxo escolar adequado. No entanto, cabe uma pergunta: essa simples mescla representa a qualidade de uma escola?
Pelo fato de o fluxo escolar não ser uma medida de aprendizado e qualidade escolar numa abordagem mais simples desses conceitos esse componente acaba de certa forma limitando a informação passada pelo Ideb – mas como estímulo a presença do fluxo no índice é extremamente importante. Outro ponto não menos importante é o fato de por não haver ainda um currículo nacional padronizado e que seja alinhado à Prova Brasil o resultado pode não avaliar da forma mais adequada o trabalho em sala de aula das escolas brasileiras. Mas, o mais importante, é que a Prova Brasil (e consequentemente o Ideb) consegue captar (aproximadamente) apenas como estão os alunos brasileiros no momento da avaliação e não o que a escola forneceu de aprendizado a eles.
No meio acadêmico quando se discute a qualidade de uma escola se usa o termo “efeito-escola”. Trata-se de um número que busca medir o quanto a escola agregou a um aluno, pois sabe-se que fora do ambiente escolar uma criança ou jovem também está propensa a aprender. Quero aqui separar aprendizado dentro e fora do ambiente escolar sem me apegar à condição socioeconômica do aluno, pois não é ela em si que determina o aprendizado do aluno. No entanto, o que as pesquisas mostram é que alunos de nível socioeconômico mais alto recebem no ambiente não escolar mais insumos que auxiliam o aprendizado. Eles possuem NA MÉDIA, por exemplo, um maior número de livros em casa e convivem com pessoas com melhor formação educacional. Adicione ainda o fato de um maior percentual destes frequentar a Educação Infantil.
Logo, o que se verifica é que escolas de regiões mais pobres recebem alunos com habilidades cognitivas e com um nível de aprendizado em um patamar de desenvolvimento muito mais baixo do que os alunos recebidos em escolas de regiões mais ricas. Para simplificar o raciocínio imagine uma escala única de um indicador de qualidade em Educação no qual se verifica a seguinte evolução de 30 alunos de duas escolas:
Média dos alunos da Escola A (que fica num bairro de baixa renda)
2001 (antes de começar o 1º ano): 2,1;
2005 (ao final do 5º ano): 5,1;
2009 (ao final do 9º ano): 6,9.
Média dos alunos da Escola B (que fica num bairro de classe média)
2001 (antes de começar o 1º ano): 5,3;
2005 (ao final do 5º ano): 6,7;
2009 (ao final do 9º ano): 7,5.
Qual dessas duas escolas forneceu mais aprendizado aos seus alunos? Embora não se possa afirmar com certeza, já que mesmo após entrar na escola um aluno possa seguir absorvendo aprendizado fora do ambiente escolar, em uma situação como a apresentada é mais provável que a Escola A tenha fornecido mais aprendizado aos alunos, mesmo que estes tenham sistematicamente obtido resultados inferiores aos alunos da Escola B.
Além de ser extremamente importante e mais adequado avaliar o que a escola agregou deve-se considerar também como é muito mais difícil em uma escola que recebe alunos mais pobres agregar aprendizado, pois essas escolas geralmente recebem insumos educacionais de menor qualidade (ler matéria da Revista Educação que aborda o tema).
Fonte: Inep – Tabulação Estudando Educação. Dados referentes a 2007.
O gráfico acima ilustra como o Ideb das escolas está muito associado ao nível socioeconômico de seus alunos (os dados analisados são referentes a 2007). O eixo X representa um índice que considera o número de televisões, banheiros, automóveis, etc. de modo a classificar a situação socioeconômica dos alunos de uma escola. Pelo que se percebe na ilustração escolas com pontuações maiores nesse índice socioeconômico possuem maiores valores de Ideb.
O cenário mostrado por essa figura nos permite antecipar o que será visto pela população caso a ideia de Gustavo Ioschpe vire uma lei. Placas com valores de Ideb altos estarão nas escolas que atendem alunos mais ricos e placas com valores de Ideb mais baixos estarão nas escolas que atendem alunos mais pobres. Como alunos mais pobres possuem menos insumos educacionais tanto dentro como fora da escola seria muito complicado só com essa medida avaliar, por exemplo, se o não sucesso educacional destes é devido a um mau trabalho dos profissionais do estabelecimento de ensino. Pressionar esses profissionais em muitos casos poderia ser injusto e em vão.
A placa com o Ideb da escola poderia, podem dizer alguns, estimular com que pais pudessem matricular seus filhos em escolas com um Ideb mais alto. No entanto, além de o Ideb como já dito ter problemas para mensurar a qualidade essa hipótese não parece válida, pois o principal critério utilizado para matrícula nas redes públicas é o local de moradia do aluno, não havendo aos pais muita possibilidade de escolha.
Outro ponto importante a ser analisado é: o que poderia ser feito por um estabelecimento de ensino mal avaliado em curto prazo? E a escola que melhorasse ainda teria que carregar o fardo e o estigma de sua nota até a divulgação do Ideb seguinte?
O economista Gustavo Ioschpe fala que a medida poderia ser benéfica, pois as escolas melhores poderiam cooperar com as piores. Mas por que isso já não ocorre hoje? Pois muitos números podem não ser divulgados no país, mas a informação de quais são as melhores escolas de acordo com o Ideb não é uma delas, já que os rankings feitos pelos jornais a cada divulgação fazem questão de passar esse dado. Essa ideia não me parece fornecer a motivação para que isso aconteça.
Não duvido que a ideia tenha sido bem intencionada e considero importante que a população tenha acesso fácil a informações sobre as escolas brasileiras, mas dar realce a uma informação tão simples dando a ela a legitimidade de um indicador de qualidade do estabelecimento de ensino pode estigmatizar alunos e profissionais de forma injusta e inconsequente e desestimular trabalhos que reduzem a desigualdade.
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